Não é nova a controvérsia a respeito da escolha dos ministros da Suprema Corte brasileira. Embora desde a Constituição de 1891 até a Carta Constitucional atual sejam nomeados pelo Presidente da República após a aprovação da maioria absoluta do Senado Federal, não raras vezes se questionou a forma de designação dos juízes do mais alto Tribunal do país, tendo em conta a grande liberdade conferida ao Chefe do Poder Executivo para escolha – dentre quaisquer cidadãos com idade entre trinta e cinco e sessenta e cinco anos, com notável saber jurídico e reputação ilibada – e, principalmente, a forte possibilidade de estabelecimento de vínculos escusos entre Executivo e Judiciário, direcionados a retirar-lhes autonomia e independência, por ocasião da aludida indicação.
Dentre os memoráveis questionamentos acerca da sistemática de designação dos ministros do STF, ressalta-se o julgamento da Ação Penal 470, vulgo denominado o “Caso do Mensalão”, em que figurões e altas personalidades políticas do Partido dos Trabalhadores e do governo federal foram julgados e, posteriormente, condenados pelo cometimento de crimes diversos, em decorrência da manutenção de esquema de corrupção dirigido à compra e venda de votos de parlamentares em proposições legislativas em trâmite no Congresso Nacional, favoráveis aos interesses do Executivo. No famoso precedente, ministros designados pelo Presidente Lula, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, não apenas participaram do julgamento de políticos com quem, anteriormente à assunção do cargo, haviam mantido certa ligação – especialmente no caso do último, que havia sido ex-assessor jurídico de um dos condenados, José Dirceu, e exercido o cargo de advogado-geral da União do governo do PT –, como adotaram posições jurídicas questionáveis e extremamente benéficas aos réus, desde a oportunidade da discussão do conjunto fático-probatório dos autos até a ocasião da aplicação das penas. O Ministro Relator do “Caso do Mensalão”, Joaquim Barbosa, chegou a questionar à época se o Ministro Lewandowski, ao invés de juiz, não estaria se passando por advogado dos réus. Além de inúmeros juristas e da mídia, que consideraram lamentável a atuação dos dois ministros e dos que foram posteriormente indicados pela Presidente Dilma, Luiz Fux, Teori Zavascki e Roberto Barroso, em prol da diminuição das penas dos sentenciados, por supostos favorecimentos escusos concedidos aos interesses do PT, como moeda de troca e contraprestação pela nomeação ao cargo.
Nessa perspectiva crítica e com base em modelos estrangeiros, a Senadora Vanessa Grazziotin apresentou no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição nº 3/2014, objetivando alterar a maneira pela qual são escolhidos os ministros do STF. A proposição, inspirada nas experiências chilena e italiana, apesar de manter os requisitos de idade entre trinta e cinco e sessenta e cinco anos, do notável saber jurídico e da reputação ilibada, visa a retirar a exclusividade atual conferida ao Presidente da República na indicação dos membros da Suprema Corte, passando tal prerrogativa também para outros órgãos e autoridades públicas. Conforme proposto, dos onze ministros do Supremo, dois seriam indicados pelo STJ,um dos TRFs e dos TRTs mediante escolhas alternadas, um dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, um dentre os membros do Ministério Público da União indicados pelo Procurador-Geral da República,um dentre os membros dos Ministérios Públicos dos Estados, um dentre advogados com mais de dez anos de atividade profissional indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, um indicado pelo Congresso Nacional e três de livre escolha do Presidente da República. Ressalvada a última hipótese, em todos os casos os magistrados serão escolhidos pelo Presidente da República, primeiramente, após submetimento de listas tríplices por aquelas autoridades e órgãos públicos, e, posteriormente, nomeados por ele depois da aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal. Consoante sua justificativa, a proposição legislativa objetiva tornar mais plural e democrática a composição dos membros do STF, a fim de ser representada por autoridades oriundas de variados órgãos e entes da federação.
Se a PEC 3/2014, por um lado, sana a crítica da velha escolha centrada no Presidente da República, por outro, cria possíveis questionamentos, na medida em que viabiliza a prevalência no Supremo Tribunal Federal de composições corporativistas e a presença de magistrados voltados a atender, em decisões judiciais, os interesses daqueles órgãos e autoridades que lhes indicaram ao cargo de ministro. Além de eventualmente enrijecer e favorecer os já magistrados no acesso à Corte, beneficiados com 4 das 11 vagas de ministro, em detrimento de outras carreiras sequer mencionadas no projeto, a exemplo das defensorias públicas e das carreiras da advocacia pública, e em prejuízo de outras com menor expressão, como Ministério Público e advocacia privada. É dizer, em que pese retire um problema, a PEC parece se encontrar apta a criar outros, caso promulgada.
Mas, afinal de contas, qual modelo a ser seguido que se encontra alheio a problemas e críticas? Não parece existir! Nem muito menos parece existir “o melhor modelo” ou “a melhor solução” para a designação de magistrados das Cortes Constitucionais. Nos Estados Unidos, o modelo de indicação é semelhante ao brasileiro, em que o juiz, com as prerrogativas de vitaliciedade e irredutibilidade de remuneração, é nomeado pelo Presidente da República após aprovação no Senado, com a diferença no sentido de que lá o processo de aprovação é muito mais difícil e controlado do que no Brasil. Já na Bolívia, os doze ministros da Corte Suprema são eleitos pela população, após seleção pelo Congresso de nomes provenientes de diversas camadas da população, inclusive dentre indígenas e camponeses, para o exercício de um mandato de 6 anos, impossibilitada a reeleição. No Equador, os juízes da Corte Constitucional são selecionados por intermédio de concurso de mérito, em que são selecionados 9magistrados após indicação, por parte do Executivo, do Legislativo e das associações de controle social, de 27 candidatos, para um mandato de 12 anos. E podemos ficar a vida inteira aqui citando exemplos de designação para as Supremas Cortes no mundo, mas a ideia não é essa.
O que importa, no final de tudo, é destacar que não parece proveitoso discutir qual é o melhor modelo a ser seguido no Brasil, uma vez que consensos não são prováveis de serem atingidos, nem parece haver uma sistemática isenta ou impassível de sofrer críticas ou questionamentos plausíveis. Talvez possamos debater qual é o sistema menos pior, que torne mais independente e menos afeita a incursões do Executivo a atuação do Supremo Tribunal Federal. Mas dizer aprioristicamente que a PEC 3/2014 é completamente errada e não atende aos imperativos ideais de imparcialidade e neutralidade do STF, ou afirmar que o modelo atual é perfeito e faz com que a Suprema Corte brasileira seja um exemplo a ser seguido no mundo, constituem abordagens bastante simplistas e que não visualizam suficientemente as complexidades e inconclusividades relativas à temática sob exame, diante da qual, repita-se, não parece existir uma solução ideal pronta, acabada e perfeita.
Por outro lado, que a proposição legislativa em comento seja uma oportunidade, como a presente, para o infinito debate a respeito das melhorias que podem ser realizadas no âmbito do Poder Judiciário e de suas relações com os demais poderes da República!
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