Lançamento do livro “Do outro lado da linha: Poder Judiciário, Regulação e Adoecimento dos trabalhadores em call centers”

convite

Na semana passada repercutiu na imprensa uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que condenava uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 50.000,00 a uma trabalhadora que fora submetida, assim como suas colegas de trabalho, a uma espécie de “controle gestacional” por parte de sua gerência. Preocupada com a distribuição do trabalho nos períodos de ausências das gestantes, a empresa havia instituído uma forma de controle, por intimidação, das trabalhadoras do setor, a fim de que obedecessem a uma “fila” para exercerem sua atividade reprodutiva, submetendo seus desejos e projetos pessoais aos interesses econômicos do seu empregador. O caso é teratológico e gerou uma reação dura por parte dos Ministros que participaram do julgamento, os quais determinaram que fossem oficiados o Ministério Público do Trabalho e a Auditoria Fiscal do trabalho para investigação da conduta das empresas envolvidas (não por acaso estávamos diante de uma situação de terceirização trabalhista).

Não me causou espanto que se tratasse de uma situação de instrumentalização de trabalhadores envolvendo atendentes de call center e uma empresa terceirizada que prestava serviços de teleatendimento a uma grande empresa concessionária de telecomunicações. A novidade ficou por conta da visibilidade dada à questão, sempre tão bem camuflada “do outro lado da linha”, e da contundência da resposta judicial, que se apresenta como um ponto fora da curva em relação à jurisprudência sobre condições de trabalho em call centers.

Ao analisar a restruturação produtiva havida no setor de telecomunicações brasileiro após o processo de privatização, observa-se que o desenvolvimento tecnológico e o crescimento econômico verificados no setor a partir do ingresso do capital estrangeiro nesse ramo pautaram-se numa perspectiva de modernização e incremento da produtividade sem compromisso com a preservação e, muito menos, melhoria das condições de trabalho existentes no setor anteriormente.

O modelo de desenvolvimento então eleito seguiu o receituário neoliberal, autorizando processos de precarização do trabalho por meio da difusão da contratação terceirizada (com restrição do quadro de pessoal contratado diretamente pelas concessionárias a um mínimo de trabalhadores), intensificação do ritmo de trabalho, vulnerabilização do trabalho da mulher e de outros segmentos sociais marginalizados, e recrudescimento das condições coletivas de trabalho, uma vez que reduziu a base principal de trabalhadores dos sindicatos então representativos, pulverizando os novos contratados em entidades sindicais mais frágeis, o que, invariavelmente, implica redução dos benefícios trabalhistas e dos patamares salariais da categoria.

A categoria das trabalhadores em call centers é resultado representativo desse fenômeno e caricatura fiel do novo precariado brasileiro, na pertinente definição de Ruy Braga. Hoje, os números chegam a apontar 1,4 milhões de teleatendentes no país. E, de acordo com dados da RAIS — Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego relativos ao ano de 2011, a categoria de trabalhadores que se ativa nesse setor é composta, em sua maioria, por mulheres (74% da força de trabalho), jovens (71% dos trabalhadores têm entre 18 e 29 anos), de classes média e baixa, com nível de escolaridade correspondente ao ensino médio completo (82,9%), que estão ingressando no mercado de trabalho, sub-remuneradas (81,3% percebem até dois salários mínimos) e inseridas em categorias sindicais frágeis. A mão de obra empregada no serviço de call center também é uma das mais rotativas do país.

A categoria, sem se afastar dos postulados tayloristas de gestão do trabalho, também encerra em si a aplicação das técnicas de gestão do trabalho pós-fordistas de forma bem delineada e, consequentemente, carrega as marcantes dimensões de dor e de doença que o novo modo de ser do capital tem imposto aos trabalhadores.

A tão festejada criação de empregos no setor, na verdade, é responsável pela criação de postos de trabalho precários, descartáveis, subjetivamente aviltantes e intimamente relacionados com o adoecimento e invalidez de um número considerável de jovens em situação de primeiro emprego. Ocorrências de assédio moral, sexual, cobrança excessiva de metas, controle e monitoramento aviltantes do trabalho (criando um panóptico eletrônico público, na feliz expressão de Selma Venco), controle do uso do banheiro, condições ergonômicas inadequadas, banalização das punições e aprofundamento dos níveis de alienação do trabalho compõem o quadro verificado no setor.

A invisibilidade desses trabalhadores, sobretudo em relação à esfera de regulação social do trabalho, é preocupante. Ao analisar a juridicização desse cenário de precariedade envolvendo trabalhadores em call centers do setor de telecomunicação, no lapso de 2005 a 2013, pude observar que também o Poder Judiciário Trabalhista se apresenta como palco de disputa entre os valores que regem a proteção ao trabalho e o apelo do neodesenvolvimentismo sem escrúpulos. E, se por um lado, a proibição da terceirização trabalhista no setor representou um endurecimento significativo da regulação trabalhista, no sentido de fechar a principal porta de acesso à precariedade, por outro lado, a atuação pontual e individualizada da Justiça do Trabalho em relação a cada um dos aspectos que compõem esse cenário de precarização do trabalho e precariedade da vida das trabalhadoras de call center, fragiliza e descontextualiza as violações cometidas pelos empregadores em relação à situação coletiva de precarização.

Ficou evidenciado que essa “turbação” da atividade cognitiva do judiciário fragiliza sobremaneira seu potencial de ser responsivo e exercer efetivamente a regulação das relações capital e trabalho, nos oferecendo rico panorama para pensar a complexidade e as contradições entre a função conservadora e legitimadora que o Direito do Trabalho exerce, em face do horizonte de resistência histórico e promissor que ele, simultaneamente, representa.

Sem apresentar respostas, mas, antes disso, colocando novas e, talvez, melhores perguntas que aquelas identificadas no início da pesquisa, o livro “Do outro lado da linha: Poder Judiciário, Regulação e Adoecimento dos trabalhadores em call centers” pretende inquietar e convidar a refletir sobre o direito do trabalho à luz da práxis de suas instituições de regulação.

Fica o convite para os leitores desse blog, para o lançamento que acontecerá no dia 30/9, às 19h30, no restaurante Carpe Diem (104 Sul).

 

 

 

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